sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Estilística, Coesão, Coerências e as Relações Lógicas nos Textos -



O enterrado vivo





É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.

É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.

É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.

É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.



Drummond e a pedra no caminho:
caricatura de Alvarus (1941)

Neste poema Drummond oferece mais um exemplo da "estilística da repetição"




Parte I


A Estilística é uma das disciplinas voltadas aos fenômenos da linguagem. Definindo de forma simples, é o estudo do estilo.

No domínio da linguagem, o estilo é conceituado de várias maneiras pelos estudiosos da Estilística. De modo geral, as definições consideram-no como o resultado da escolha dos recursos expressivos capazes de produzir os efeitos de sentido motivados pela emoção e afetividade do falante.

A Estilística estuda os valores ligados à sonoridade, à significação e a formação das palavras, à constituição da frase e do discurso.

No plano sonoro, vários recursos estilísticos podem ser usados: os fonemas, o acento, a entonação, a altura e o ritmo de sílabas, palavras e frases.

A harmonia imitativa é a combinação de recursos sonoro diversos, baseados na repetição de sons e no ritmo.

No plano da palavra, a metáfora e a metonímia constituem importantes recursos de estilo, assim como as tonalidades emotivas das palavras, que indicam a emoção, o sentimento do falante. A formação de palavras também é uma fonte de expressividade.

Os recursos estilísticos no nível do som e da palavra estão presentes tanto no texto escrito quanto no oral.

A língua portuguesa é riquíssima em expressividade, e os recursos são numerosos. Entre muitos destes recursos, aqui estão alguns ligados a quatro aspectos: som, palavra, frase e enunciação.

Embora seja comum vincular as questões de estilo ao texto literário, é preciso não esquecer que elas estão presentes em todas as variedades linguísticas e em todos os gêneros. É certo que exemplos de alguns fatos estilísticos são mais facilmente encontrados no texto literário, como na harmonia imitativa, que é peculiar ao texto poético. Mas o desejo de expressar-se vivamente e evidenciar a afetividade é inerente ao ser humano, portanto, os elemenentos lógicos da linguagem sempre serão catalisados pelo sentimento do falante.

É justamente pelo caráter humano e universal das manifestações estilísticas na liguagem que uma das definições de estilo mais citadas diz que “o estilo é o homem”.

A coerência de um texto não está propriamente no texto, ou na simples organização linguística: é uma qualidade que se constrói na leitura e interpretação dos textos, sejam eles verbais ou não verbais.

A multiplicidade de experiências de mundo serve de base para compor o “quebra-cabeças” em que se constitui o texto. Quanto maior for a informação do leitor a respeito do tema, maior sua prontidão para interpretar a continuidade de sentidos, a coerência textual.

A harmonia entre as informações que servem de pistas para estabelecer essa continuidade constitui a coerência textual. Portanto, diferentes leitores, com diferentes informações prévias, com diferentes visões de mundo, podem atribuir níveis de coerência diferentes ao mesmo tempo.

A coerência é um dos fatores de textualidade que permitem fazer de um amontoado de frases um texto. Mas ela não se prende exclusivamente a aspectos linguísticos: é resultado da interação entre os interlocutores – autor e leitor – com o texto, e pelo texto numa dada situação sócio-comunicativa.

A dimensão linguística fornece “pistas” para que, na leitura, seja (re)construído um mundo textual, que pode ou não coincidir com a versão que se tenha do mundo real. A coerência pode estar ligada a uma interpretação, e por isso, depende, em grande parte, das interferências que o leitor seja capaz de fazer a partir das “pista” textuais e de seu conhecimento do tema e do mundo.

Por isso se diz que, para o estabelecimento da coerência textual, contribuem tanto fatores linguísticos quanto aqueles ligados ao contexto situacional, os interlocutores em si, suas crenças e intenções comunicativas, além da função comunicativa do texto.

Em suma, a situação sócio-comunicativa fornece critérios relevantes para as decisões sobre a coerência de um texto; e, como gêneros textuais são construções sócio-comunicativas, a coerência também depende do gênero de um texto.

No nível dos elementos linguísticos, a coerência textual também depende da cooperação do leitor para estabelecer a solidariedade significativa entre as partes de um texto. Muitos subentendidos precisam ser “completados”, muitos “fios condutores” dos raciocínios precisam se identificados.

A partir de conhecimentos e experiências prévias também vão os elementos linguísticos se organizando em continuidades de sentidos. Esses elementos funcionam como pistas para a construção de um mundo textual, no qual a coerência se apóia. O nível de habilidade para detectar e compreender essas pistas pode variar de leitor para leitor, de ouvinte para ouvinte; por isso, coerência não é uma questão de tudo ou nada, mas de gradação de possibilidades.

Com o domínio de habilidades de leitura desenvolve-se a consciência para as estratégias que utilizamos na apreensão dessas pistas textuais.

Nesse processo, torna-se importante o equilíbrio entre as informações que já são de reconhecimento prévio do leitor e as informações novas que o texto pretende trazer.

Outro fato importante é a contextualização de informações, pois pela contextualização é possível perceber como as informações podem ser interpretadas na construção da coerência.

Em suma, é pela coerência textual que se vê – e se faz – a diferença entre um amontoado de palavras e um texto.


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