domingo, 22 de novembro de 2009

Para refletir


O Icaro de cada dia


Percival de Sousa


Assim como Ícaro, que pôs sua confiança em cera que derrete, somos tentados a deixar a Deus, o único que pode nos fazer voar.CRETA (Grécia) - A ilha grega ajuda a mitologia a encontrar-se com a História. Antes de navegar pelo Egeu, embarcando em Atenas, tinha visto no centro da cidade uma escultura deslumbrante de Ícaro, que tentou voar, grudando com cera asas artificiais em seu corpo. Funcionou, por algum tempo. Mas em contato com o sol, a cera derreteu-se e Ícaro despencou no mar. Em Creta, num dos seus pontos mais altos, existe uma intrigante rampa. A rampa de Ícaro.
O historiador francês Jean-Pierre Vernant observa que na Grécia todos os atos do cotidiano eram marcados pela religiosidade. Os gregos nos deixaram o sentimento de comunidade. O que deve unir os seres humanos está no mito de Protágoras: “Prometeu e seu irmão Epimeteu são encarregados de dotar cada espécie animal da forma, das qualidades e das forças que vão caracterizá-la. Eles tomam o cuidado de fazer com que essas qualidades se equilibrem. Se um animal ganha força e tamanho, ele não terá rapidez. Se ele é mais frágil, será dotado de rapidez ou da capacidade de voar, para que possa sobreviver”. O homem surge desarmado, diz Vernant, mas não desaparece em razão da sua fragilidade, porque é dotado de saberes que compensam aquilo que lhe falta.Só não podemos nem trocar ou recuperar nossa vida. Aquiles disse isso para Agamenon. Claro que para nós existe a perspectiva do transcendente, questão de fé, pois a conquista da vida eterna está atrelada ao que fizermos nesta vida.Mito e História se encontram.
As Escrituras nos ensinam que o ser humano é o coroamento da criação. Em algumas passagens, o estilo de narrativa é assemelhado, o que literariamente é absolutamente normal. O mitológico Ícaro quis conquistar as alturas. Nós também. Ícaro quis subir, subir. Nós também. Ícaro pôs a sua confiança na cera que derrete. Também podemos ser tentados a fazer a mesma coisa. E Ícaro caiu, como nós podemos cair. Exatamente por isso, a palavra “sincero” tem sua origem na expressão “sem cera”. Assim, o sem cera, ou sincero, é alguém que não usa artifícios, não engana, não dissimula, sempre autêntico, sem disfarces.Se quisermos ir para o alto, com asas artificiais dependentes da cera, temos que aprender, preliminarmente, que as montanhas tinham conquistado a humanidade muito antes de os seres humanos pensarem em conquistá-las. Os gregos acreditaram no Olimpo, cume elevado que seria a morada dos deuses. A torre de Babel é um dos símbolos do Antigo Testamento que mostra o esforço do homem em invadir território divino. As pirâmides mostram que quando não tinham montanhas naturais, os povos construíam artificiais. O único Deus que podemos encontrar nos altos é aquele que nos acompanha até lá. Chamamos a isso onipresença, estar em toda parte, uma das características do Altíssimo, e desfrutar, em qualquer lugar, do encontro íntimo com Deus.Sendo assim, e pela fé sabemos que é, Ícaro pode ser o nosso próprio mito e Creta a nossa terra. Quem insiste em usar cera para voar, pode contribuir para nosso país continuar como está. Mais cedo ou mais tarde, vai despencar. A rampa de Creta é desnecessária. Deus nos ajuda a voar e a subir. Não precisamos de cera. De corações sinceros, sim.
Fonte: Revista EclesiaFonte: Revista Eclesia
http://www.eclesia.com.br/


Parte da matéria postada no Blog Práxis Cristã – Crer, Pensar e Agir - do Pr. Maurício Abreu de Carvalho

Icaro - Mitologia Grega


Icaro - A Lenda

Conta o mito grego que Dédalo, pai de Ícaro, era o homem mais criativo e habilidoso de Atenas. Um dos seus maiores feitos foi construir, para o rei Minos de Creta, o famoso labirinto que aprisionou o Minotauro, uma criatura meio homem, meio touro, que lá era mantido para a proteção do povo de Creta. Duas levas de homens, uma de cada vez, haviam sido deixadas no labirinto, onde foram mortos pelo Minotauro. Na terceira leva de guerreiros estava Teseu, aquele que viria a matar o Minotauro com a ajuda de Ariadne, filha do Rei Minos, que se apaixonara por Teseu. Ariadne teve a ajuda de Dédalo e por causa disto ele e seu filho, Ícaro, foram jogados no labirinto com as saídas fortemente guardadas.



Dédalo sabia que o labirinto era intransponível e que a terra e o mar eram domínios do Rei Minos. Foi então que decidiu que escapariam pelo único lugar que não era domínio de Minos, ou seja, o ar! Com sua capacidade inventiva, Dédalo juntou penas de aves, amarrou-as com fios e as colou com a cera das abelhas. Com a ajuda de Ícaro, moldou asas perfeitas com as quais puderam se suspender no ar e assim conseguir escapar das paredes do labirinto.



No entanto, antes de partirem, Dédalo ensinou seu filho a voar e o alertou de que não deveria voar tão alto para que o sol não derretesse a cera e nem tão baixo para que as águas do mar não as molhassem. Dédalo era um homem prático e experiente. No entanto, Ícaro era um sonhador e inebriou-se com a beleza do céu e a liberdade de estar ganhando os céus como um pássaro. E assim Ícaro deixou-se levar pela beleza do firmamento, aproximando-se demasiadamente do sol. Como seu pai havia avisado, logo a cera que mantinha suas asas derreteu, deixando-o, fatalmente, cair nas águas do mar.



Embora com um final trágico e triste, o mito de Ícaro nos mostra, entre vários aspectos, a capacidade humana de desafiar os limites para conhecer aquilo que está além. Ícaro atreveu-se ir além, mesmo correndo o perigo de perder as suas asas e tombar numa queda mortal. Porém, isto não o impediu de alçar vôo na inebriante beleza do céu e Ícaro arriscou ir além do pré-estabelecido e sonhar com o mais alto. Ícaro voou como um pássaro e sentiu a liberdade na sua plenitude, deixando o mundo aos seus pés. Talvez alguns veriam na sua atitude apenas imprudência, mas a verdade é que Ícaro ousou e somente aqueles que ousam conseguem ir além das conquistas medianas da grande maioria. Herbert Vianna diz na na música Tendo a Lua: “O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu!”



Extraído do texto de Guilherme R. Fauque
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Acadêmico do 7º nível de Filosofia da Universidade de Passo Fundo – UPF.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O óculos ou Os óculos????


DEIXEM O MEU ÓCULOS EM PAZ!

Marcos Bagno - Julho de 2009


É mesmo uma pena que nossos melhores dicionários de referência, o Aurélio e o Houaiss, oscilem entre a tentativa de preservação das prescrições tradicionais e a vontade de incorporar e abonar as formas inovadoras já consagradas no uso do português brasileiro. Digo isso porque, ao tratar do substantivo óculo(s), ambos os dicionários assumem o tom mais prescritivista e autoritário possível, em franca contradição com as análises mais bem feitas que encontramos em outros verbetes:AURÉLIO SÉCULO XXI: "No Brasil, pelo menos, diz-se, erroneamente, o óculos, este óculos, meu óculos" (verbete ÓCULOS) HOUAISS: "A palavra óculos é pluralia tantum* ... sendo, portanto, erro a discordância de número (um óculos) que se tem vulgarizado no português coloquial do Brasil (formas corretas: uns óculos, meus óculos, um par de óculos)" (verbete ÓCULO)*Pluralia tantum são as palavras que só são usadas no plural como bodas, anais, costas, férias.

Como diria nosso herói Macunaíma: "Ai, que preguiça!" Por que essa insistência em achar que esse importante dispositivo para melhorar a visão (que eu uso há quarenta anos!) tem que ser considerado como um par? Por que não chamá-lo então de binóculo, já que também existe o monóculo? O que aconteceu com óculos foi o mesmo que aconteceu com tesouras, cuecas, calças, ceroulas, tenazes, listados pelo dicionário Houaiss no verbete PLURALIA TANTUM. Nesse verbete, a análise, felizmente, não recorre à imposição do que é "correto" e à condenação do "erro", sendo, ao contrário, isenta desses preconceitos: PLURALIA TANTUM Rubrica: gramática - expressão latina com que são referidos os substantivos de uma língua cuja forma é um plural morfológico, mas que semanticamente podem denotar uma única unidade; trata-se sempre de referentes formados de partes simetricamente duplicadas (p. ex.: tesouras, cuecas, calças, óculos, ceroulas, tenazes) Uso embora o emprego do pl[ural] para indicar uma só parelha seja normal no português, registra-se uma dicotomia de tendência: de um lado, para obviar possíveis ambiguidades e explicitar a unidade, o locutor refere-se a um par de tesouras, de alicates, de pinças etc.; de outro, esp[ecialmente] no port[uguês] do Brasil, consuma-se o quase geral emprego do sing[ular] nos mesmos casos: uma tesoura, uma tenaz, a minha calça, a cueca. É uma pena que não se tenha mencionado também o "quase geral emprego do singular" no caso de óculos. A razão do nosso uso de óculos no singular está nessas palavras do verbete: "substantivos cuja forma é um plural morfológico, mas que semanticamente podem denotar uma única unidade".

Pronto, gente, é só isso: é semântica! A semântica estuda a relação entre as palavras e as coisas do mundo que elas designam. Se nós concebemos o óculos como uma coisa só, nossa lógica linguística vai querer corresponder à nossa lógica de percepção da realidade: se o objeto é considerado como uma unidade, a palavra que o designa só pode estar no singular! Vamos parar com essa insistência boboca, deixar todo mundo usar seu óculos em paz e cuidar de coisas mais importantes? Por exemplo: somente 8% das escolas com as melhores médias do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2009 eram públicas. Não é perdendo tempo tentando convencer os alunos de que a palavra óculos só pode ser usada no plural que nosso ensino público vai sair do fundo do poço!